O amor do fundo do poço



Professora

Estavam no fundo do poço. Como lá chegaram não sabiam ao certo. Ou, talvez, conhecessem tão bem o motivo que preferissem torná-lo um sujeito oculto, como forma de não reviverem todas aquelas velhas dores que aspirina nenhuma é capaz de curar. Porém as cicatrizes deixadas pelas desinências do verbo amar logo denunciariam os sinuosos caminhos que os levaram até aquela funda, escura e assustadora cratera emocional.

Em meio àquela total escuridão, compreendiam que só havia uma coisa a fazer: abrir os olhos e encarar a sombria realidade que os rodeavam.

Ao se desvencilharem das pálpebras inchadas de tantas noites choradas, suas retinas provaram da negra miopia da solidão. Só algum tempo depois, quando a vista já se acostumara com toda aquela negritude, eles puderam enfim se perceber frente a frente.

De início, eram apenas acinzentados vultos humanos. Mas, aos poucos, puderam contemplar o brilho que, mesmo afogado em tanto pranto, ainda morava no olhar do outro. E era tão intensa a luz que irradiavam que suas noites viraram dias agradavelmente intermináveis.

Doravante aquelas duas almas já não eram mais solitárias. Tinham uma a outra. Viraram amigas, parceiras, confidentes, cúmplices. Dividiam entre si as dores, angústias e decepções. Compartilhavam planos e desejos. Juntas mergulharam em novos projetos. O principal deles: serem felizes.

Novos ventos vieram e para longe levaram aquelas plúmbeas nuvens que por ali pairaram durante algum tempo, que aos olhos alheios podia parecer breve, mas aos seus demorara um século.

Neste instante, puderam enfim apreciar a luz da vida.

Juntos eram fortes. E assim, apoiados um ao outro, levantaram-se e, de mãos dadas, finalmente saíram daquele fosso de amargura em que se encontravam.

E sorrisos adormecidos acordaram. Viraram sóis. Aqueceram aqueles corações que de tão sofridos se haviam cristalizado feito gelo. Mas o gelo agora derretido virara um belo lago capaz de contornar as pedras do caminho e desaguar no rio do amor ou no mar da amizade.

Desprovidos finalmente de qualquer expiação, souberam-se livres.

Livres para partir ou para ficar.

As mãos ainda entrelaçadas se despediram entre chuva de lágrimas e tempestade de sorrisos.

Sabiam que não era o fim. Era apenas o começo de um amor puro, sem promessas, sem mentiras, sem cobranças, sem renúncias, sem algemas.  Como deveria ser todo grande amor.


Comentários

  1. Mais um texto lindo, repleto do lirismo próprio dos grandes escritores. Parabéns mais uma vez, Rô!
    Vc sempre apaixonante em tudo que é que faz!
    Bjo.

    Taíza Azevedo

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  2. “ Lirismo puro, como bem escreveu a Taíza.
    Mergulhei neste poço e quase tenho a ousadia de encontrar-me neste texto.
    É esta a magia de quem escreve, fazê-lo para si, mas ao dividir o que escreve compartilhar com todos, um mesmo sentimento, outrora sem nome.
    Grata, beijos, já com saudades destas sextas-feiras que vem de você, Rokátia!
    Klas”

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  3. "Juntos eram fortes. E assim, apoiados um ao outro, levantaram-se e, de mãos dadas, finalmente saíram daquele fosso de amargura em que se encontravam."

    querida, todo o seu texto é metáfora, encanto e sentimento, por isso comecei com esta frase acima que representa a unidade de dois que fortalece uma vida. O mais lindo de se contemplar é a liberdade nas relações afetivas: "Desprovidos finalmente de qualquer expiação, souberam-se livres.", afinal, amar não é aprisionar... belo texto!
    grande abraço!

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